Recordando Ésquilo, “Na guerra, a verdade é a primeira vítima”, mas indo além, é preciso conhecer os oponentes e perceber as ameaças, ferramentas e armas utilizadas, sabendo que a “arma” pode ser um despretensioso compartilhamento em rede social.
O site Consultor Jurídico trouxe um artigo muito interessante nos idos de maio de 2022:
“Guerra Cognitiva: o uso de PsyOps online para manipulação da mente humana
Os cérebros estão se tornando os novos campos de batalha. As guerras não são mais travadas nas frentes de combate, pois as mentes humanas surgem como um novo cenário de guerra. As armas não precisam mais ser unicamente de natureza física, mas algumas podem consistir apenas em informações projetadas para manipular as emoções e o comportamento humano.
A manipulação psicológica do inimigo – chamada de guerra cognitiva – tem produzido efeitos práticos mais contundentes do que a destruição física de coisas e a eliminação de adversários. Visa alcançar alguma mudança no domínio psicológico dos indivíduos usando informação e desinformação.”
O (excelente) artigo possui como coautor um conhecido advogado que, atualmente, passa a compor a Suprema Corte Brasileira (como Ministro): o Dr. Cristiano Zanin. Seria estranho um site dedicado a assuntos jurídicos (até pelo próprio nome) ter um artigo dedicado às “operações psicológicas”? Um advogado, que é um dos autores da conhecida obra Lawfare: uma introdução (Editora Contracorrente, 1ª Edição, 2019) interessar-se pelo tema? Não, não é nem um pouco estranho. Pelo contrário. Aliás o advogado, que em parceria (com outros) criou em 2017 o Lawfare Institute (com o objetivo de produzir conteúdo científico sobre, bem como a análise de casos emblemáticos), também foi um dos defensores nos processos legais em que o atual dirigente da nação figurou na condição de réu.
Fazer uso da estratégia, da boa retórica, paradoxos, dupla interpretação, enfraquecer ou mesmo desmerecer oponentes em debates (ou em narrativas) está bem longe de ser algo recente. Basta ler o que o filósofo Arthur Schopenhauer escreveu (Dialética erística, também conhecido como A Arte de Ter Razão ou, como em várias editoras, 38 estratégias para vencer qualquer debate, publicação póstuma e parcialmente incompleta, feita por Julius Frauenstädt). Não há nada de recente, portanto, nisso. Menos ainda, mesmo que de forma embrionária, no uso da “guerra psicológica”.
De qualquer forma, se considerarmos a doutrina vigente, as “operações psicológicas” são uma das (várias) ferramentas das Operações de Informação. Por sinal, se consultarmos o Manual de Campanha (EB70-MC-10.213) – Operações de Informação (Op Info), veremos que:
“2.1.5. A possibilidade de compartilhar informações, em tempo real, de forma anônima e em segurança, é uma capacidade que pode, ao mesmo tempo, ser um trunfo para as forças militares, agências civis parceiras e aliados, como também tornar-se vulnerabilidade potencial a ser explorada por adversários.
(…)
2.1.7. É igualmente importante conhecer a influência da informação sobre o conjunto de atores que participam da dinâmica dos conflitos: a mídia, os civis…
(…)
2.2.6.1. A dimensão informacional é o conjunto de indivíduos, organizações e sistemas no qual tomadores de decisão são utilizados para obter, produzir, difundir e atuar sobre informação…
(…)
2.3.3. A dimensão informacional do ambiente operacional, em uma sociedade cada vez mais influenciada pela informação reveste-se de destacada importância, uma vez que a percepção estabelecida como válida nas mentes … a narrativa dominante – pode ser considerada um ponto decisivo nas operações militares contemporâneas…
2.3.4. … controlar a ‘narrativa’ é não apenas comunicar bem, mas comunicar primeiro e com mais e melhores informações…”.
O Exército Brasileiro, por intermédio deste Manual de Campanha, aborda o tema sob o ponto de vista principal (porém não exclusivo) de objetivo militar das Op Info (por questões, principalmente, de competência constitucional e de finalidade). Tais operações constituem-se no emprego integrado do que chamam de CRI (Capacidades Relacionadas à Informação). Se as CRI, isoladas, produzem efeitos individuais, as Op Info focam na integração e sincronização para obtenção de seus objetivos. Assim, uma CRI é uma “ferramenta técnica” ou atividade. Entre elas pode-se citar a Inteligência, a Comunicação Social (Com Soc), Guerra Cibernética (G Ciber) e … as Operações Psicológicas (Op Psc), entre várias outras.
As Operações Psicológicas, basicamente, são procedimentos dedicados a influenciar determinado público para proceder a comportamentos desejáveis para apoiar a conquista de objetivos estabelecidos. Podem ser utilizadas em operações militares, em guerras (ou não), ações de fronteira, evacuação de não combatentes etc. Possui “enfoque na perspectiva cognitiva da dimensão informacional do ambiente operacional, influenciando as emoções, o raciocínio, as motivações, comportamentos… não se limitam apenas a oponentes reais e potenciais adversários, mas incluem populações neutras e aliadas”.
Sobre os conflitos de 4ª Geração, o coronel (Forças Especiais) Alessandro Visacro em sua excelente obra A Guerra na Era da Informação (Editora Contexto, 2018), demonstra que, nessa geração de guerra terrestre, temos como protagonistas atores estatais e não estatais (também), sendo utilizado um modelo de Guerra Irrestrita, com objetivo (da batalha) de auferir resultados psicológicos e afetar a opinião pública, tendo como natureza (do objetivo) a psicológica (decisores políticos e opinião pública). A vitória é mensurável quando há aceitação popular e espaço na mídia, havendo uma principal palavra (verbo) a ser lembrada: INFLUENCIAR. A guerra psicológica (como a cibernética ou a de informação) é apenas um dos recursos empregados de modo conjugado. Honestamente, o livro citado, como também Guerra Irregular (Editora Contexto, 2009, mesmo autor) e Desinformação (do tenente-general Ion M. Pacepa / prof. Ronald J. Rychlak, Vide Editorial, 2015), deveriam ser de leitura obrigatória nos cursos de formação de policiais. É literatura mínima para se compreender algumas nuances do cenário atual (bem como projetar cenários futuros). De qualquer forma, a opinião pública com o consequente apoio popular, são metas fundamentais a serem alcançadas.
A respeito de Guerra Cognitiva, porém, existem nuances que apresentam sutis, mas importantes diferenças, em relação à Guerra Informacional. Se por um lado, a última é um esforço integrado para alcançar objetivos militares ou de interesse nacional (mesmo que tão somente imediatos), a Guerra Cognitiva, por outro lado, pode ser utilizada para obter sucesso na esfera política, com efeitos que podem ser duradouros.
Na Guerra Cognitiva pouco importa se o que está sendo divulgado é inverídico ou tão somente parcialmente verídico. A qualidade da informação é algo relativamente irrelevante (diferente das Op Info). Importam tão somente os resultados (não a veracidade, a qualidade das informações angariadas e divulgadas). O uso de informações falsas não necessariamente é obrigatório (ou mesmo primordial). Como exemplo (utilizado em artigo que se encontra no sítio virtual da OTAN), menciona-se o vazamento de documentos, quer seja por intermédio da mídia, quer seja em redes sociais (principalmente em grupos opositores), esperando-se com isso inflamar a opinião pública.
Considera-se que, em face da sobrecarga de informações, a capacidade cognitiva individual não seja suficiente para definir se uma conduta (ou opinião) é oportuna, adequada ou não. A Guerra Cognitiva explora isso: um volume enorme de informações que se replicam e, muitas vezes, o individuo alcançado deixa de ter uma conduta meramente passiva para ser um vetor ativo (muito mais que o mero receptor de informação e/ou propaganda, onde se espera uma conduta reativa, ou melhor, reflexiva).
A guerra cognitiva tem como objetivo solapar a CONFIANÇA. Ela é o foco principal. Com isso pode-se afetar a sociedade como um todo. A meta é acabar com a confiança popular em relação a processos eleitorais, instituições, políticos, forças aliadas etc.
Quando o Comandante Geral da PMESP, coronel PM Cássio Araújo de Freitas dirigiu-se a um contingente policial militar durante uma apresentação alusiva aos projetos de valorização e investimentos (ainda no primeiro semestre de 2023), havia comentado que a Polícia Militar estava sendo “alvo de ações de guerra híbrida”. Por mais que alguns não tenham entendido (ou não conheçam nada a respeito do tema), ele havia acertado enormemente. Já foi citada diversas vezes em artigos especializados a obra Guerra Híbrida: das Revoluções Coloridas aos Golpes (Andrew Korybko, Editora Expressão Popular, 2018).
Uma breve pesquisa demonstra que a palavra “desestabilizar” ou “desestabilização” aparece quase 80 vezes no livro. Por sinal, vemos nele que “a Guerra Híbrida é o caos administrado”, começando pela subversão do sistema social “do alvo”. Há também uma abordagem específica a respeito de “Propaganda” e “Fabricação de Consenso” bem como em Guerra Centrada em Redes Sociais. Falando em redes sociais (Korybko menciona o Twitter, Facebook e YouTube), fica claro que são partes essenciais do arsenal do “guerreiro híbrido”.
Pois bem… o que vemos hoje, sendo divulgado à exaustão nas redes sociais? Pequenos vídeos onde há o enfrentamento e agressões a policiais militares. Vídeos onde os integrantes das forças policiais são confrontados (sendo impossível não deixar de considerar a busca do “efeito contágio” ou copycat nisso). No Rio de Janeiro, a depredação de uma viatura blindada policial, de uma convencional e de estrutura física, com clara demonstração de desprezo por parte dos “vândalos” felizes, que nada mais eram do que meros serviçais de narcoterroristas.
A lawfare, o garantismo jurídico e seus efeitos causando grandes benefícios às organizações criminosas, colocando em xeque a credibilidade dos operadores de segurança pública e causando grande desestímulo (algumas decisões judiciais promovem a absolvição de criminosos flagrados com centenas de quilos de drogas, bem como vasto arsenal). Há outro componente também, procurando a “desestabilização”: por vezes alguns integrantes das forças policiais (ou ex-integrantes principalmente), com claros interesses políticos pessoais, divulgando informações (parcialmente verídicas ou não, porém por vezes com alteração de contexto), promovendo a discórdia, celebrando o ódio “entre classes” (não raramente, para todas as mazelas, existe um único culpado: o comando da instituição, bem como seus oficiais e dirigentes). Se definirmos como objetivos da Guerra Híbrida a desestabilização de governos (vistos como “oponentes”) e suas instituições, então acerta o coronel PM Cássio em sua afirmação.
LIVRO RECOMENDADO
• Alessandro Visacro (Autor)
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Há um componente, também, que com o uso das redes sociais, tenho observado. Talvez hoje, testemunhemos uma “espiral do silêncio”, mas um pouco diferente. A respeito da “espiral do silêncio”, é necessário citar a cientista política alemã Elisabeth Noelle-Neumann e sua teoria de ciência política e de comunicação em massa. Seus estudos remontam à década de 1960, em relação ao eleitorado de dois partidos majoritários da Alemanha. Resumidamente, frente a uma opinião dominante, temendo isolamento ou sátira, indivíduos omitiam seus posicionamentos. Caso percebessem que eram minoria, resguardavam-se, evitando qualquer tipo de impasse. O termo “espiral” é alusivo ao fato desse comportamento gerar uma escala cada vez mais progressiva rumo ao silêncio. Noelle-Neumann também observou que (levando em conta o ambiente eleitoral) se um “lado” é superestimado, pessoas tendem (decididas ou não) a migrar para ele.
O que, em específico, considero “um pouco diferente” em relação à “espiral do silêncio” hoje? Não sou cientista social ou formado em qualquer outro curso relacionado à comunicação. Na verdade, pode-se falar sobre um fato complementar, fazendo uso de outro tipo de ambiente. Uma minoria extremamente agressiva, em redes sociais, não desejando qualquer forma de diálogo ou contra-argumento, semeando tão somente o ódio, acaba por fazer prevalecer sua retórica, conseguindo apoiadores (mesmo que poucos) que a replicam imediatamente, fazendo calar qualquer um que, ao menos tente, colocar outro ponto de vista (mesmo que educadamente).
Interessante é que nos dias atuais existem alguns termos específicos. Por exemplo, os haters (“odiadores”). Em ambiente virtual praticam bullying, semeiam ódio e críticas. Também os trolls, que buscam tumultuar discussões, fazendo acabar com qualquer forma respeitosa de argumentação. Assim, no ambiente das redes sociais, em fóruns de discussão o mesmo aplicativos, não raramente uma minoria consegue impor silêncio ou fazer cessar qualquer diálogo ou apresentação de argumento contrário ao que propõe.
Recordemos que em A Guerra Além dos Limites (Qiao Liang e Wang Xiangsui, 1999), mais de duas décadas atrás, a internet já era vista como ambiente de guerra. Assim sendo, não é raro, em grupos grandes de aplicativos como o WhatsApp, que uma maioria fique calada enquanto uma minoria prolifera um ponto de vista único e, por vezes, parcial ou sem considerar outro contexto. Se há uma argumentação, aqueles poucos partem para fazer calar a contraparte. Como os demais não desejam confusão, simplesmente se calam.
Época difícil, onde se faz necessário recordar Ésquilo: “Na guerra, a verdade é a primeira vítima”. Não somente isso. Faz-se necessário conhecer os oponentes, possuir percepção das ameaças e das ferramentas (das armas) utilizadas. Por vezes, essa ferramenta, será tão somente a difusão de uma afirmação em rede social, feita de forma “despretensiosa”.
Conribuindo com sugestão de obra: “Como destruir a civilização ocidental: e outras idéias do abismo cultural”
por Peter Kreeft, Felipe Denardi, e outros